Uma bela surpresa está passando abaixo do radar dos maníacos por série. É “Menem: O Show do Presidente”, no Prime Video, que retrata um dos presidentes mais folclóricos e controversos da história da Argentina, líder por dois mandatos (1989-1999).
Vivido com gênio por Leonardo Sbaraglia (“Dor e Glória”, “Relatos Selvagens”), o Carlos Menem da ficção na hora me fez pensar o quanto no Brasil somos covardes para retratar nossos presidentes na ficção. E olha que material não falta por aqui.
Primeiro, vamos falar da série: “Menem” usa do tom de paródia desde a primeira cena para contar a história do governador da província de La Rioja, conhecido por um sorriso constante e as costeletas gigantes dominando o rosto, que decide se candidatar às prévias do partido peronista sem ter a mínima chance. Ele vira o jogo e é eleito, enquanto briga sem parar com sua mulher, Zulema Yoma, parte de uma influente família muçulmana e síria.
Em seis episódios, a série não poupa o bom humor para mostrar como a política na América Latina pode ser tão deprimente que chega a ser cômica. Um candidato surge do nada, bonitão e com um largo sorriso no rosto, toma o poder e começa a botar em prática um plano econômico mirabolante que vai favorecer a elite e ferrar os pobres.
O terceiro episódio é dedicado à onda de privatizações que Menem encomendou, vendendo da estatal telefônica à rede de ferrovias. O quarto mostra a dolarização da moeda, que teve alguma remota semelhança com o nosso Plano Real, dando uma breve estabilidade numa economia castigada pela hiperinflação.
Boa parte da história é contada do ponto de vista do fotógrafo oficial de Menem, Olegario Salas (Juan Minujín), homem simples e honesto de classe média que vive a euforia e as turbulências do patrão no poder.
Ao longo da série, vamos reconhecendo em Menem semelhanças com os nossos presidentes: tinha pinta de galã e adorava uma pose de atleta como Collor; privatizou a rodo como Fernando Henrique Cardoso; era populista e até sofreu uma tentativa de golpe de Estado como Lula no terceiro mandato.
E por que nunca fazemos séries sobre nossos ex-presidentes aqui no Brasil? Tivemos um filme recente com Tony Ramos como Getúlio Vargas, outro sobre os últimos dias de Tancredo Neves, mas nem esbarramos naqueles nomes que renderiam novelão, suspense, drama, comédia, todos os gêneros em uma só biografia. “O Mecanismo”, a série da Lava Jato na Netflix, apenas esbarrava em Lula e Dilma –e era ruim, independentemente da inclinação política do espectador.
Me parece que há um fator cultural –simplesmente não temos essa tradição da ficção política– mas talvez nossos produtores evitem a dor de cabeça dos possíveis processos movidos pelo próprio “homenageado”, se ainda vivo, ou de sua família. O tom de paródia para um filme ou série desse tipo, então, nem pensar.
Inspirado pela série, deixo aqui algumas ideias para que não fiquemos no 1×0 com nossos hermanos:
“O Imbrochável” – A série começa num plano da tornozeleira, enquanto Jair Bolsonaro recorda os seus anos de delírio no poder. O primeiro episódio inclui a facada e a vitória nas eleições de 2018. O segundo, com uma fotografia sinistra e distorcida, mostra a macabra reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela em que se passou a boiada.
O terceiro, um episódio de terror, mostra a pandemia de Covid avançando em meio a suas frases de desdém. O quinto e o sexto veem a entrada de seus dois grandes inimigos: Lula, que o derrota em 2022, e Xandão, que não lhe dá um segundo de paz. Há chances de uma segunda temporada.
“Delírios da Dinda” – Sejamos sinceros: a série sobre Fernando Collor precisa de no mínimo 13 episódios. Três deles seriam um drama de família digno de novela das oito, com o irmão Pedro entregando os podres do irmão à imprensa e a mãe, dona Leda, ficando ao lado do filho delator contra o caçador de marajás.
Um outro episódio, de suspense, deixaria em aberto “Quem matou PC Farias?”. A abertura teria as exuberantes carpas japonesas da Casa da Dinda, a residência oficial dos Collor, também compradas com dinheiro de corrupção.
“As Voltas que o Mundo Dá” – Série dedicada à ascensão, queda e nova ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro episódio abre na icônica cena do debate com Collor em 1989, cuja edição foi manipulada pela Globo. Em poucas cenas, já saltamos para a vitória de 2002, e um episódio inteiro é dedicado ao escândalo do mensalão. Dois episódios constroem a tensão da Lava Jato, com a entrada do antagonista Sergio Moro.
O penúltimo episódio mostra a saída da prisão, e o último mostra Lula lidando com a tentativa de golpe do 8 de janeiro. Ao final, depois dos créditos, como nos filmes da Marvel, uma cena mostra a entrada do último vilão. É Donald Trump ao telefone, falando com Eduardo Bolsonaro e martelando o tarifaço de 50% sobre o Brasil. A segunda temporada ainda não está confirmada.
“Menem: O Show do Presidente”
Todos os seis episódios disponíveis no Prime Video
Fonte ==> Folha SP