‘Tebas Land’ analisa violência familiar no Teatro Vivo – 24/04/2025 – Mise-en-scène

'Tebas Land' analisa violência familiar no Teatro Vivo - 24/04/2025 - Mise-en-scène

A dramaturgia de Sergio Blanco se consolida como uma das investigações mais potentes sobre os limites entre realidade e ficção no teatro atual. Em “Tebas Land”, o parricídio – tema ancestral que remonta a Édipo – é dissecado não como destino trágico, mas como fruto de uma sociedade que desmontou seus próprios mitos sem oferecer novos referenciais. A montagem que retorna a São Paulo, desta vez no Teatro Vivo, coloca em cena essa fissura através de uma encenação que é, ao mesmo tempo, tribunal e espelho.

Blanco não se contenta em revisitar o mito grego: ele o desmonta e reconstrói a partir de um crime real, tecendo diálogos com Freud, Dostoiévski e Maupassant. A peça não quer explicar o parricida, mas expor a teia de contradições que o cerca – a família como núcleo gerador de neuroses, a justiça como instituição falha, e o teatro como espaço de encenação e verdade. A narrativa se estrutura como um ensaio teatral dentro do próprio espetáculo, onde atores discutem os limites da representação. O resultado é um jogo de camadas do qual o público não sai purgado, mas confrontado com suas próprias perguntas.

Os atores Otto Jr. e Robson Torinni são os condutores desse labirinto. Robson Torinni traz ao jovem parricida uma densidade inquietante – seu personagem não é monstro nem mártir, mas produto de um sistema que falhou em todas as instâncias. Otto Jr. elabora sua jornada com consistência, equilibrando perfeitamente a vulnerabilidade essencial do processo criativo.

A cenografia de José Baltazar e a iluminação de Maneco Quinderé reforçam o caráter não realista da proposta. Projeções e anotações em uma lousa branca funcionam como pistas de um processo criativo em aberto. A direção de Victor Garcia Peralta opta por um ritmo fragmentado, com cenas que se repetem como pesadelo, recusando qualquer linearidade reconfortante.

O que torna o espetáculo tão atual não é apenas sua forma metateatral – tão cara ao contemporâneo –, mas sua recusa em simplificar o humano. Blanco sabe que a família é um campo minado onde se gestam tanto o amor quanto a barbárie. Se Édipo matou o pai sem saber quem ele era, o que dizer de um jovem que assassina conscientemente? A peça não responde, mas amplia a questão: em um mundo sem deuses para culpar, quem carrega a responsabilidade pela violência?

Ao final, não há julgamento definitivo – apenas o grito do desamparo que ecoa na plateia. “Tebas Land” não entrega respostas, mas cumpre o que Brecht esperava do teatro: desnaturalizar o mundo e fazer o espectador sair menos certo de suas certezas

Três perguntas para…

… Victor Garcia Peralta

A peça se passa em uma quadra de basquete de uma prisão, um espaço liminar entre confinamento e liberdade. De que maneira esse cenário dialoga com os temas do texto (culpa, julgamento, voyeurismo)?

O cenário estabelecido na peça dialoga de forma constante com os diversos temas abordados ao longo do texto, criando uma ambientação rica e significativa. No entanto, é com a metalinguagem que essa relação se torna mais evidente, uma vez que a peça propõe uma reflexão sobre o próprio fazer teatral, revelando os bastidores da criação de uma obra cênica. Ao mesclar esse processo criativo com os encontros entre o autor e o prisioneiro, em um espaço de confinamento físico e simbólico, o cenário se transforma em um elemento essencial para sustentar e intensificar essa dualidade.

O texto, construído como uma autoficção, rompe as fronteiras entre realidade e invenção, e o cenário acompanha essa proposta, adaptando-se às transições entre os diferentes planos narrativos. Assim, o espaço cênico torna-se um espelho da própria estrutura da obra, ora representando o ambiente carcerário, ora assumindo formas mais abstratas ou simbólicas, que remetem ao universo interior do autor-personagem. Desse modo, o cenário não apenas ilustra, mas participa ativamente da narrativa.

A dramaturgia mistura referências literárias (Dostoiévski, mitologia) com violência contemporânea. Como equilibrar essa erudição com a crueza da narrativa?

O texto já demonstra um equilíbrio notável nesse aspecto por meio da própria estrutura da escrita. Sempre que uma referência cultural, literária ou filosófica é introduzida, Sergio Blanco se encarrega de contextualizá-la dentro da ação dramática, tornando-a acessível e compreensível ao público.

Esse cuidado na construção dramatúrgica permite que a peça mantenha sua densidade intelectual sem se tornar hermética, uma vez que as referências não são apenas citadas, mas incorporadas à narrativa de maneira orgânica. Elas surgem como parte da experiência dos personagens e se tornam elementos ativos no desenvolvimento da trama. Com isso, o autor cria uma dramaturgia que não subestima a inteligência do espectador.

Em 2018, a peça estreou em um Brasil polarizado. Agora, em 2025, quais novas interpretações ou urgências você acredita que “Tebas Land” ganhou?

Acredito que “Tebas Land” se torna cada vez mais atual à medida que o tempo passa. Trata-se de uma peça profundamente centrada na empatia — na capacidade de se colocar no lugar do outro, de escutar com atenção e de tentar compreender experiências que nos são alheias. Em um mundo onde o individualismo, a polarização e a indiferença parecem crescer de forma preocupante, a peça se impõe como um chamado urgente para o resgate dessa sensibilidade humana que, lamentavelmente, tem se tornado cada vez mais rara.

Fazer esse exercício de empatia hoje não é apenas um gesto ético, mas uma necessidade urgente. A peça nos confronta com isso de maneira poética e contundente, nos lembrando que, ao negar o outro, negamos também uma parte essencial de nossa própria humanidade.

Teatro Vivo – avenida Dr. Chucri Zaidan, 2.460 – Vila Cordeiro, região sul. Ter. e qua., 20h. Até 28/5. Duração: 100 minutos. A partir de R$ 40 em sympla.com.br



Fonte ==> Folha SP

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