Em 6 e 9 de agosto de 1945, o mundo conheceu o poder avassalador do átomo em sua forma mais sombria. As bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki não apenas encerraram a Segunda Guerra Mundial. Elas abriram uma nova era: a era em que a humanidade se tornou capaz de se autodestruir. O silêncio que se seguiu às explosões foi mais do que físico. Era um silêncio existencial, um sussurro incômodo do Cosmos nos alertando que havíamos chegado longe demais. Com a criação da bomba atômica, talvez tenhamos nos deparado com o Grande Filtro da Humanidade.
Se você está familiarizado com esse termo, certamente já conhece o Paradoxo de Fermi, uma contradição filosófica que nasceu a partir de uma simples pergunta que até hoje segue sem resposta: onde está todo mundo?
Se o Universo é tão vasto, se existem centenas de bilhões de estrelas apenas em nossa galáxia e se várias dessas estrelas podem ter sistemas planetários, mesmo que apenas uma fração ínfima desses planetas tenha as condições ideais para o surgimento da vida e a evolução de uma civilização tecnológica, ainda assim, elas deveriam estar por toda parte, nos visitando ou ao menos enviando sinais de sua existência. Mas eles não nos visitam, não enviam sinais de rádio e nem respondem ao nosso “bom dia” no zap da família.
Essa reflexão surgiu na mente do ítalo-americano Enrico Fermi no ano de 1950. Entre as possíveis resoluções para esse paradoxo está a ideia do Grande Filtro. A ideia considera que não encontramos outras civilizações alienígenas porque a vida inteligente e tecnologicamente avançada é muito rara no Universo. Isso seria explicado por alguma barreira na linha de tempo da evolução da vida que, de alguma forma, impede que uma espécie alcance os estágios mais avançados, ou que prospere depois de ter alcançado o ápice evolutivo.
Essa barreira invisível — o chamado Grande Filtro — poderia ser o próprio surgimento da vida, a evolução de seres complexos e multicelulares, ou talvez o desenvolvimento da capacidade de raciocinar e refletir sobre a vida, o universo e tudo mais. Se já passamos pelo Grande Filtro temos que nos orgulhar e compreender porque a espécie humana é tão rara no Cosmos. Mas e se ainda não passamos por ele? E se o Grande Filtro estiver no futuro e seja algo que impeça que as civilizações prosperem depois de atingir certo nível de desenvolvimento tecnológico?
Talvez as civilizações no Universo se desenvolvam até o momento em que inventam armas capazes de provocar a própria aniquilação. E se esse for o caso, nós estamos neste momento diante do Grande Filtro da Humanidade.
Curiosamente, Enrico Fermi, o mesmo que propôs essa reflexão tão fundamental, também ajudou a acender a primeira centelha do poder atômico na Terra. Ele foi um brilhante físico nuclear, ganhador do Nobel, e que teve uma participação relevante no desenvolvimento da energia nuclear e das primeiras bombas atômicas da história. Entretanto, embora não tenha deixado discursos públicos contra o uso das bombas, seus colegas relatam que Fermi carregava uma inquietação silenciosa. Como se, no fundo, soubesse que talvez tivéssemos cruzado um limiar perigoso demais para a própria humanidade.
Mas como chegamos a esse ponto? O final do Século XIX e início do Século XX foi uma época de profundas transformações no estudo da Física e da Química. Compreendemos a estrutura do núcleo atômico, descobrimos a radioatividade, e Albert Einstein, com sua Teoria da Relatividade Geral, revelou a equivalência entre massa e energia, mostrando que qualquer objeto pode ser convertido em energia, proporcional a sua massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz (E=mc²). Isso significa que uma pequena quantidade de matéria pode ser convertida numa quantidade colossal de energia.
Einstein acreditava que a humanidade levaria séculos para desenvolver uma tecnologia capaz de extrair essa energia da matéria. Entretanto, no final dos anos 30, químicos alemães revelaram terem alcançado a primeira fissão nuclear e isso levou Einstein a alertar o governo americano sobre o risco da Alemanha nazista construir uma bomba atômica. Como resposta, o governo investiu pesadamente, não para impedir que os nazistas criassem a bomba, mas para garantir que os Estados Unidos chegariam primeiro, com uma tecnologia que agora ameaça nossa própria civilização.
A mesma ciência que hoje nos permite construir reatores, espaçonaves e métodos de tratamento contra o câncer, foi também usada para criar artefatos capazes de levar a morte e a destruição, devastando cidades inteiras em segundos. Assim aconteceu 80 anos atrás em Hiroshima e Nagasaki. As bombas sobre o Japão encerraram a guerra, mas também colocaram a humanidade diante de um momento decisivo da nossa história.

Atualmente, quase 13 mil ogivas nucleares estão distribuídas entre as principais potências do planeta, principalmente Rússia e Estados Unidos. Muitas delas, em estado de prontidão. Um botão vermelho sob as mãos trêmulas de alguns poucos líderes soberanos. Há 80 anos, mesmo em episódios tensos, como a crise dos mísseis de 62, nenhum deles apertou esse botão. Mas desde Hiroshima e Nagasaki, vivemos diante dessa grande barreira. Não importa quantos líderes sensatos ocupem essa posição. Basta que um inconsequente ouse avançar sobre essa linha, para desencadear nossa última grande guerra e deixar, quem sabe, a próxima civilização alienígena falando sozinha no Universo, repetindo a mesma pergunta de Fermi: onde está todo mundo?

Hoje, infelizmente, precisamos lembrar desse momento sombrio da história porque, quanto mais nos afastamos dele, mais corremos o risco de nos aproximar da nossa própria extinção. O desafio que temos não é apenas o de conquistar novos mundos, mas de sobreviver àquilo que já conquistamos. O conhecimento é poder, e o poder exige responsabilidade. Somente domando nossa soberba, enfrentando nossas ambições e cultivando humildade diante da vastidão do Cosmos, talvez possamos superar o que parece ser o Grande Filtro da Humanidade. E então, quem sabe, ouviremos o silêncio das estrelas — não mais com assombro, mas com a serenidade de quem ainda poderá contemplá-las por muitas gerações.
Fonte ==> Olhar Digital