Direito não socorre a quem dorme – 24/07/2025 – Que imposto é esse

A imagem mostra uma mulher com cabelo escuro e liso, usando uma blusa preta. Ela está olhando para o lado. Ao fundo, há uma parede com uma imagem de água, que parece ser uma fotografia de um mar ou lago. A iluminação é suave e destaca o rosto da mulher.

E como ficam quem sequer consegue dormir? Faz tempo que mostro preocupação com segurança jurídica na área tributária, não apenas considerando surpresas na legislação, como também as posições divergentes dos Tribunais Superiores sobre a matéria.

O tema na berlinda aqui é mais uma consequência do julgamento da Tese do Século: prazo de compensação dos créditos reconhecidos judicialmente.

Vale relembrar que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu o direito de exclusão do ICMS das bases de cálculo de PIS/Cofins e, apenas anos depois, esclareceu que o ICMS a ser excluído é aquele destacado na nota fiscal. Considerando que essa discussão durou mais de dez anos, os valores envolvidos são bilionários. Com essa decisão transitada em julgado, os contribuintes se viram impossibilitados de esgotar os valores via compensação no prazo de cinco anos indicado pela RFB (Receita Federal do Brasil) (art. 103 IN 1.717 e COSIT nº 239/2019).

Então, o Poder Judiciário foi acionado visando o reconhecimento de que essa limitação da RFB é ilegal, já que a legislação não prevê prazo para se esgotar os créditos compensados. Desde 2014, os precedentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) eram no mesmo sentido. O prazo previsto no artigo 168 do CTN (Código Tributário Nacional) (“O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos”) é para se pleitear e iniciar a compensação e não há limite de prazo para a compensação iniciada dentro desse período.

Passados mais de dez anos dessa jurisprudência consolidada, diversas decisões foram proferidas autorizando contribuintes a prosseguirem com suas compensações iniciadas dentro dos cinco anos. A União insistiu com seus recursos e chegou ao STJ que, a partir de 2024, modificou o entendimento, limitando as compensações e o aproveitamento dos créditos no prazo de cinco anos contados do trânsito em julgado.

O novo entendimento do STJ afirma que o artigo 168 do CTN deveria ser interpretado com o artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, que fixa o prazo prescricional de cinco anos para cobrança de dívidas dos entes da federação. Essa interpretação levou ao entendimento de que todos os Pedidos de Compensação (PER/DCOMP) dever-se-iam ser transmitidos dentro dos cinco anos contados do trânsito em julgado, excluído o período da habilitação, responsável só pela suspensão da prescrição.

Esse novo entendimento se esqueceu de um primeiro detalhe: trata-se de um prazo prescricional (exercício do direito de compensar) para que o contribuinte inicie (exerça o direito) a cobrança dos valores recolhidos indevidamente. Uma vez iniciada a compensação dentro desse prazo, o direito foi exercido —a União tem pleno conhecimento do seu débito— o qual é reduzido a cada compensação promovida mês a mês.

Um segundo detalhe despercebido: só se pode falar em prescrição de um direito quando se está diante da inércia do sujeito que pode exercê-lo. Uma vez iniciada a compensação, o direito é exercido, não há inércia do contribuinte, que não pode ser penalizado com o reconhecimento de prescrição que o impeça de reaver os valores recolhidos indevidamente reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado.

Um terceiro detalhe: manifesto enriquecimento ilícito da União! Os valores em discussão são bilionários. A União deve e tem conhecimento da sua dívida. Muitas medidas judiciais sobre o tema foram objeto de mandados de segurança, cuja jurisprudência do próprio STJ impede a expedição de ofício precatório para restituição de valor recolhido indevidamente anterior à impetração. A legislação impede que o contribuinte detentor do crédito possa cedê-lo ou comercializá-lo, dada a vedação de compensação de créditos de terceiros (art. 74, § 12, II, a, Lei nº 9.430/96). Assim, não pode agora, após anos de discussão, o contribuinte ser impedido de continuar suas compensações iniciadas dentro do prazo de 5 anos até o esgotamento dos créditos.

Por fim, há um quarto detalhe: quando da mudança do entendimento pelo STJ, inúmeros contribuintes já haviam promovido compensações após o prazo de 5 anos contados do trânsito em julgado com autorização judicial fundada exatamente no seu entendimento anterior, sendo inquestionável a mudança brusca de jurisprudência que impõe a modulação de efeitos para assegurar que essas decisões sejam confirmadas, com o reconhecimento da regularidade das compensações até então realizadas.

Sabemos muito bem que o “direito não socorre quem dorme”. Aquele que não exerce o seu direito no prazo o perde pela ocorrência da prescrição. Mas na hipótese tratada aqui, o contribuinte sequer dormiu. Pelo contrário, passa noites e noites em claro aguardando a próxima surpresa que pode impactá-lo, sem poder contar com o mínimo de segurança jurídica. Esperemos que a Primeira Seção do STJ possa revisitar o tema e aplicar o melhor direito ao caso concreto.



Fonte ==> Folha SP

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