Como deixar de ser insegura para atrair relações seguras – 30/04/2025 – Amor Crônico

A imagem mostra as mãos de duas pessoas em uma conversa. Uma pessoa, com uma camisa de botão laranja, está com as mãos juntas, enquanto a outra pessoa, que não está totalmente visível, tem a mão estendida, como se estivesse gesticulando. O fundo é desfocado, mas parece ser uma sala de estar com um sofá e uma planta.

Fico feliz em responder essa pergunta porque ela entrelaça alguns dos mitos mais cruéis que pairam sobre o amor e a personalidade, e que têm sufocado nossa capacidade de existir e conviver. Primeiro, a crença de que o amor se atrai —como se fôssemos ímãs inertes, reféns de nossas próprias vibrações. Depois, a fantasia de que é preciso deixar de ser insegura para merecer uma relação segura. E, por fim, um modelo imaginário que nos esvazia —e nos angustia— sobre o que seria uma relação segura ou uma pessoa segura.

“Atrair” é um verbo que deveria ser banido do vocabulário afetivo. Ele ganhou prestígio nos discursos da “lei da atração”, que ao nos prometerem o divino, matam o que temos de mais humano: nossas faltas, falhas, desamparos, inseguranças. Para a psicanálise, a falta não é defeito —é estrutura. O desejo nasce dela. E o amor, longe de preencher essa ausência, é o encontro possível entre dois seres igualmente marcados pelo vazio. Não é a completude que nos une, mas a delicadeza de podermos compartilhar o que nos falta. E sim, isso é angustiante. Mas é também lindo.

No entanto, para fugirmos da dor, da incerteza e da angústia, temos nos agarrado a discursos de autoajuda e à lógica da produtividade afetiva. Em tempos de “sociedade do desempenho”, como diz Byung-Chul Han, “vibrar alto” virou uma meta. Tornar-se “magnética”, “interessante”, “propositiva” virou tarefa de marketing pessoal. Nos vendemos como produtos emocionais de alta performance. E nos culpamos quando, inevitavelmente, nossas faltas —humanas, legítimas— rompem o verniz da autoestima perfeita.

Curioso pensar que um dos TEDs mais assistidos do mundo é “O poder da vulnerabilidade“, de Brené Brown, e ainda assim seguimos patologizando nossas vulnerabilidades e buscando recursos para repintar o verniz da segurança: eliminar expectativas, cobranças, frustrações, medos, incoerências… Como se estivéssemos eternamente em busca da estrelinha de “funcionários do mês” da relação: sempre sorrindo, sempre dispostos, sempre impecáveis.

Achamos que seremos amados se formos leves, mas também profundos; comprometidos, mas livres; interessantes, mas fáceis; seguros, mas nunca demandantes. Seremos amados se entretermos com programas e opiniões, se resolvermos problemas, se não pesarmos demais. Mas de que adianta repassar vídeos sobre vulnerabilidade no WhatsApp da família se seguimos tratando nossos sentimentos como motivos de rejeição por justa causa?

Negar a insegurança nos aprisiona nela. Porque ao reprimirmos a insegurança, reprimimos também a conexão. Dizemos que queremos relações profundas, mas temos medo de que, ao nos verem de perto, os outros enxerguem nossos buracos. E tentamos tapá-los sozinhos —como se a insegurança fosse da ordem do que se resolve e não do que se convive. Vivemos cercados, mas sozinhos. Insatisfeitos com relações rasas que nos deixam mais inseguros, e seguimos achando que a culpa é nossa. Porque, se for nossa, é controlável. E algum curso de autoajuda sempre vai nos vender 12 passos pra resolver…

O que nos prende na dor nem sempre é a dor —é o esforço para não senti-la. Anestesiar o desconforto, evitar o incômodo, resistir ao que nos atravessa… ironicamente, tudo isso é o que nos faz permanecer nele e, assim, permanecemos sozinhos.

“É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo”, escreveu Clarice Lispector. Até quando vamos sustentar essa mentira de que a insegurança nos torna indignos de amor? Até quando vamos acreditar que ela é um problema pessoal?

Vivemos hoje tempos de “metacrise”, como define Esther Perel. Crises climáticas, guerras, polarizações, solidão, ansiedade, depressão, vínculos enfraquecidos. Estamos coletivamente saturados por medos, perdas, traumas. Ou seja, você realmente acha que a sua insegurança é uma falha e um problema pessoal e intransferível e não parte de um sintoma coletivo de tempos de crescente incerteza e desconstrução?

Se não reconhecermos coletivamente nossas dores e inseguranças, ficaremos todos afetivamente indisponíveis —defendidos por dentro, armados por fora. E a cada tentativa de esconder nossas feridas, acabamos ferindo quem se aproxima.

“Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo —quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação” diz Clarice em outro trecho do mesmo livro. É preciso se entregar para a desorientação. Enquanto seguirmos bloqueando nossas inseguranças e dores, nunca acessaremos a nós mesmos nem aos outros.

Lacan diria que o sujeito é aquilo que falta a si mesmo. E é nessa falta que mora o desejo —não no que temos de seguro, mas no que em nós vacila, clama, pergunta. Relações não se constroem sobre certezas, mas sobre a coragem de habitar a dúvida junto com o outro. A busca por uma versão “bem resolvida” de si para só então amar é um paradoxo: ao tentar parecer forte, nos afastamos da única coisa que de fato aproxima —a vulnerabilidade.

É preciso desmontar a fantasia de que relações seguras são feitas por pessoas plenas, imunes ao ciúme ou à dúvida. Relações seguras são aquelas onde podemos ser inseguros sem sermos desqualificados por isso. Onde podemos confessar o medo e encontrar, do outro lado, alguém que fique.

Amor não é para os prontos —é para os que topam construir um espaço onde seja possível existir com as faltas, e não apesar delas. Não se trata de vencer as inseguranças, mas de atravessá-las juntos. De confiar no vínculo como um espaço de construção e não de atração. Amor não se atrai. Se pratica, se vulnerabiliza, se equivoca, se desentende, se desencontra e se reencontra.

Não existe amor seguro sem insegurança. E não existe conexão real sem a coragem de se deixar ver.

E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.



Fonte ==> Folha SP

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