É assim que é possível derrotar Trump e o trumpismo – 04/11/2025 – Ezra Klein

Pessoas em manifestação na rua movimentada de uma grande cidade seguram cartaz rosa com imagem de homem de terno usando coroa dourada e faixa preta com texto

Dentro do Partido Democrata —em suas salas reservadas e grupos de bate-papo, suas conferências e guerras de comentários online— um debate cada vez mais amargo tomou conta sobre o que o partido precisa se tornar para combater o trumpismo. Precisa ser mais populista? Mais moderado? Mais socialista? Abraçar a agenda da abundância? Produzir mais vídeos verticais?

Acho que a resposta é sim, sim para tudo isso —mas para nenhum em particular. O Partido Democrata não precisa escolher ser uma única coisa. Precisa escolher ser mais coisas.

Nesta terça-feira (4), haverá eleições para governador de Nova Jersey, para prefeito de Nova York e para governador da Virgínia. Os democratas estão liderando em todas essas disputas. Até agora, as médias de pesquisas do RealClearPolitics mostram o candidato democrata à frente por cerca de 7 pontos na Virgínia e cerca de 3 pontos em Nova Jersey. Essas não são vantagens incomuns no que se tornaram estados confiáveis para os democratas. Você pode imaginar um mundo onde a violência e a corrupção dos primeiros nove meses do governo do presidente Donald Trump teriam levado a um colapso no apoio a ele e seu partido. Veremos o que o dia da eleição trará. Mas não parece que estamos nesse mundo.

Isso é ainda mais verdadeiro se você olhar para daqui a um ano, nas eleições de meio de mandato. Na média de pesquisas do RealClearPolitics, os democratas estão liderando por cerca de 2,5 pontos quando se pergunta aos americanos qual partido eles querem ver controlando o Congresso. Por volta desta época em 2017, os democratas estavam à frente pouco mais de 10 pontos na mesma média.

As notícias pioram. Para recuperar a Câmara no próximo ano, os democratas precisarão superar os redesenhos de distritos que os republicanos estão desencadeando em todo o país: os republicanos já redesenharam os mapas no Missouri, Carolina do Norte, Ohio e Texas; estão buscando fazer o mesmo na Flórida e Indiana; e têm outros na mira.

O Senado é ainda mais difícil para os democratas: eles precisarão virar quatro cadeiras nas eleições de meio de mandato de 2026 para recuperar o controle. Isso significaria defender cadeiras na Geórgia e Michigan, vencer no Maine e Carolina do Norte —nada fácil— e então ganhar pelo menos duas cadeiras em estados que Trump venceu por 10 pontos ou mais, como Alasca, Flórida, Iowa, Ohio ou Texas. Isso não é uma peculiaridade do mapa do Senado de 2026. Há 24 estados que Trump venceu por 10 pontos ou mais em 2024.

Qualquer maioria duradoura, qualquer poder real, exigirá que os democratas resolvam um problema que ainda não sabem como resolver: o número de lugares em que o Partido Democrata é competitivo diminuiu. Quando a Lei de Assistência Médica Acessível (Affordable Care Act) foi aprovada em 2010, os democratas ocupavam cadeiras no Senado no Alasca, Arkansas, Flórida, Indiana, Iowa, Louisiana, Missouri, Montana, Nebraska, Dakota do Norte, Ohio, Dakota do Sul e Virgínia Ocidental. Quantos desses estados continuam ao alcance dos democratas hoje?

Na política americana, o poder não é decidido por voto popular. No Colégio Eleitoral, na Câmara dos Representantes e particularmente no Senado, ele é distribuído por localidade. Os democratas não precisam apenas ganhar mais pessoas. Eles também precisam ganhar mais lugares. Isso exigirá uma abordagem mais pluralista da política. Exigirá que o Partido Democrata veja a diferença interna como uma força que requer cultivo, e não como uma falha que exige purificação.

Pense desta forma: se Zohran Mamdani vencer a disputa para prefeito de Nova York concorrendo como socialista democrata em Nova York, e Rob Sand vencer a disputa para governador de Iowa no próximo ano concorrendo como um moderado que odeia partidos políticos, o Partido Democrata se moveu para a esquerda ou para a direita? Nenhum dos dois: ele ficou maior. Encontrou uma maneira de representar mais tipos de pessoas em mais tipos de lugares.

Esse é o espírito que precisa abraçar. Não a moderação. Não o progressismo. Mas, no sentido político mais antigo do termo, a representação.

Em 1962, Bernard Crick, um teórico político e socialista democrata, publicou um estranho livrinho chamado “Em Defesa da Política”. A política, para Crick, era algo precioso e específico: “surge da aceitação do fato da existência simultânea de diferentes grupos, portanto diferentes interesses e diferentes tradições, dentro de uma unidade territorial sob uma regra comum”.

O fato de que existe diferença nem sempre é aceito. Existem outras formas de ordem social, como tirania ou oligarquia, que a suprimem ativamente. Mas praticar a política como Crick a define é aceitar a realidade da diferença —ou seja, é aceitar a realidade de outras pessoas cujos valores e visões diferem profundamente dos seus.

Na minha parte favorita do livro, Crick escreve: “A política envolve relacionamentos genuínos com pessoas que são genuinamente outras pessoas, não tarefas estabelecidas para nossa redenção ou objetos para nossa filantropia”.

Eu adoro isso. Acho que o caminho para uma política melhor —talvez até uma maioria política— vive dentro disso.

A fantasia interminável na política é a persuasão sem representação: vocês nos elegem para representá-los, e onde discordamos, explicaremos a vocês por que estão errados. O resultado dessa política tende a não ser nem persuasão nem representação: as pessoas sabem quando você não as está ouvindo. E elas sabem como responder: param de ouvir você. Votam em pessoas que sentem que as ouvem.

Não sou pessimista quanto à possibilidade de persuasão. Mas acredito que ela é rara fora de um contexto de respeito mútuo. E se eu fosse dizer onde o Partido Democrata errou na última década, foi aí. Em muitos lugares, os democratas buscaram persuasão sem representação, e assim não conseguiram nenhum dos dois.

Um estrategista democrata que conduziu inúmeros grupos focais disse que quando pede às pessoas para descreverem os dois partidos, elas frequentemente descrevem os republicanos como “loucos” e os democratas como “pregadores”. Uma mulher disse a ele: “Prefiro louco a pregador. Pelo menos o louco não me olha de cima para baixo”.

Isso ecoa o que ouvi dos tipos de eleitores que os democratas lamentam perder. Sinto como se tivesse a mesma conversa repetidamente: às vezes as pessoas me falam sobre questões em que o Partido Democrata se afastou delas. Mas primeiro descrevem um sentimento mais fundamental de alienação: o Partido Democrata, elas passaram a acreditar, não gosta delas.

Muitas dessas pessoas votaram nos democratas até alguns anos atrás. Não sentiam que suas crenças fundamentais haviam mudado. Mas começaram a se sentir como se fossem deploráveis. Começaram a se sentir indesejadas.

Quando eu cresci, em um condado republicano a uma hora ao sul de Los Angeles, minha família assinava o Los Angeles Times, e quando eu ouvia comentários políticos, era no rádio local. Agora o New York Times é, por número de assinantes, o maior veículo de notícias da Califórnia, e um jovem politicamente inclinado ouvirá podcasts como o meu ou “The Daily” ou “Pod Save America” ou Ben Shapiro.

Sua sensibilidade política será menos distintamente californiana e mais implacavelmente nacional. O mesmo é verdade para alguém em Montana ou Kentucky ou Texas ou Illinois. Por décadas, temos perdido veículos de mídia local e migrado para a mídia nacional. Isso significa que a política em todos os lugares está perdendo seu caráter local e refletindo divisões nacionais.

Depois, há a quantidade impressionante de dinheiro de que os políticos precisam e os lugares onde vão para encontrá-lo. Na década de 1970, a Suprema Corte decidiu que dinheiro era discurso. As campanhas se tornaram mais caras. Os candidatos frequentemente precisam de muito mais dinheiro do que podem arrecadar em seus próprios estados e distritos. Eles buscam apoio de comitês de ação política que podem gastar mais livremente. Isso significa empolgar doadores que estão muito mais à esquerda ou à direita do que o público ou conquistar grupos de interesse que buscam seu apoio em políticas. O dinheiro pode polarizar e pode corromper; de qualquer forma, afasta os candidatos de representar seus eleitores.

Tudo isso já era verdade quando me mudei para Washington para cobrir política em 2005. A política já estava se tornando mais polarizada e mais nacionalizada. Mas dois anos depois, o iPhone foi lançado. Em 2013, mais da metade dos adultos americanos tinha um smartphone. Em 2016, o Twitter se tornou algorítmico.

Todos sabemos que isso mudou a política. Mas apesar de todas as palavras que foram derramadas sobre isso, ainda não percebemos como isso alterou fundamentalmente o trabalho cotidiano da política. O trabalho de representação política sempre foi atormentado por um problema de informação: como você conhece as pessoas que está representando? Como você diz às pessoas que está representando o que você fez? Todos que trabalham na política tinham pouca informação. Agora eles têm informação demais. E é a informação errada.

Não posso exagerar o quanto essa dinâmica mudou a política em todos os níveis. Antes do advento das redes sociais, nem todo mundo na política estava falando com todo mundo na política o tempo todo. Não era possível. Pessoas que trabalhavam na política em diferentes lugares tinham suas próprias comunidades políticas locais; se você fazia campanhas em Kentucky, não era fácil estar em contato constante com operadores políticos na Califórnia. Diferentes trabalhos tinham suas próprias comunidades profissionais. Os consultores políticos eram separados dos ativistas de base, que eram separados dos assessores do Congresso, que eram separados dos pensadores de think tanks, que eram separados dos jornalistas, que eram separados dos pesquisadores de opinião, que eram separados dos políticos.

As pessoas conversavam entre si antes das redes sociais. Não estou dizendo que não o faziam. Havia conferências e almoços e telefonemas e painéis de discussão. Mas eles não estavam todos falando uns com os outros ao mesmo tempo, o tempo todo. E isso afeta até mesmo as pessoas na política que não estão nas redes sociais, porque elas ainda estão operando em uma comunidade profissional onde seus colegas são moldados por isso. A atenção é a moeda mais valiosa na política moderna, e essas plataformas são onde ela é negociada. Isso é, claro, verdade na direita, onde muitas das declarações mais consequentes do presidente são entregues na plataforma de mídia social que ele possui. Mas também é verdade na esquerda.

As redes sociais jogaram todos os envolvidos em todos os níveis da política em todos os lugares no mesma arena algorítmica. Colapsaram distância, profissão e tempo porque, não importa onde estejamos, sempre podemos estar online juntos. Sempre sabemos o que nossos pares mais conectados estão pensando. Eles acabam definindo a cultura de suas respectivas classes políticas. E não há nada que a maioria de nós tema tanto quanto estar desalinhado com nossos pares.

Isso afetou os partidos Democrata e Republicano de maneiras diferentes. Deixe-me começar pelos democratas.

De 2012 a 2024, os democratas moveram-se fortemente para a esquerda em praticamente todas as questões. Frequentemente o fizeram argumentando que finalmente estavam representando comunidades que há muito sofriam com representação insuficiente. Isso foi o que vozes online e grupos profissionais que alegavam representar essas comunidades disseram que eles fizessem.

Mas deu errado. Os democratas tornaram-se mais intransigentes sobre imigração e perderam apoio entre eleitores hispânicos. Moveram-se para a esquerda em questões de armas, empréstimos estudantis e clima, e perderam terreno com eleitores jovens. Moveram-se para a esquerda em questões raciais e perderam terreno com eleitores negros. Moveram-se para a esquerda em educação e perderam terreno com eleitores de origem asiática. Moveram-se para a esquerda em economia e perderam terreno com eleitores da classe trabalhadora. O único grupo importante em que os democratas viram melhoria durante todo esse período de 12 anos foi o de eleitores brancos com formação universitária.

Se você julgasse a política democrata expressivamente, pelo que as pessoas que faziam parte dela diziam, ela demonstrava solidariedade com os que lutam e os marginalizados como nunca antes. Se você a julgasse pensando em seus resultados —com base no que aconteceu, quem ela atraiu, o poder que ganhou ou perdeu— ela estava rompendo com aqueles que havia jurado representar e proteger.

Online, a política é expressiva, e a maioria dos discursos políticos é direcionada àqueles que já concordam com o orador. Offline, o poder é ganho e perdido em eleições. Vencer eleições significa conquistar eleitores que não têm voz no mundo político profissional. Transformar políticas em leis significa construir coalizões que incluem visões e pessoas que são pouco estimadas no mundo mais ideologicamente puro da política online.

Por exemplo, em 2010, o democrata Joe Manchin concorreu ao Senado na Virgínia Ocidental com um anúncio memorável —o político atira em um projeto de lei sobre regulação de emissões de gases do efeito estufa com um rifle. Mas 12 anos depois, ele foi o voto decisivo para aprovar a Lei de Redução da Inflação —o maior investimento em energia verde da história americana.

Os progressistas odiavam negociar com Manchin. Mas para tudo em que acreditavam, era muito melhor ter um democarata ali do que um republicano. E a capacidade de Manchin de manter esse assento foi notável: em 2012, o candidato à Presidência dos republicanos Mitt Romney venceu na Virgínia Ocidental por 27 pontos; em 2016, Donald Trump venceu por 42 pontos.

Expressivamente, Manchin era uma irritação constante. Assim, ele foi o mais notável superperformer dos democratas. Ele tornou possível a maioria do partido no Senado ao vencer eleições que nenhum democrata deveria ser capaz de vencer. Mas Manchin era detestado e alvo de protestos dos progressistas. No final, ele deixou o Partido Democrata antes de se aposentar do Senado, em 2024.

O Partido Democrata de hoje pegou formas de discordância e divergência que antes existiam dentro de sua coalizão e as expulsou. Os republicanos ajudaram, é claro; à medida que os democratas se moviam para a esquerda, os republicanos derrotaram candidatos em distritos roxos (sem tendência clara) e vermelhos (republicanos), onde a marca do Partido Democrata se tornou tóxica. Mas a cultura também mudou do lado dos democratas. Tolerar compromissos e diferenças em questões-chave começou a ser tratado como traição, não como parte necessária da construção de poder.

Em 2010, quando a Lei de Cuidados Acessíveis foi aprovada, o voto crucial no Senado veio de Ben Nelson, um democrata pró-vida de Nebraska. Havia, então, cerca de 40 democratas pró-vida servindo na Câmara. Alcançar compromissos através dessas discordâncias era difícil. Mas os democratas conseguiram aprovar o Obamacare, que expandiu a cobertura de saúde reprodutiva e continua sendo a maior conquista política do partido do século 21. Esse mesmo Partido Democrata —com todas as suas discordâncias internas— tinha os votos para confirmar juízes da Suprema Corte que protegeriam e protegeram Roe vs. Wade, a decisão judicial que tornava nacional o direito ao aborto por vontade da mulher. Aquele Partido Democrata era menos alinhado em seus valores, mas mais capaz de transformar esses valores em política.

Uma preocupação que tenho sobre os democratas agora é que eles não querem enfrentar o quanto grande parte do país discorda profundamente deles.

Pesquisas mostram que o percentual de eleitores dizendo que o Partido Democrata é muito progressista aumentou drasticamente entre 2012 e 2024. O percentual de eleitores dizendo que o Partido Republicano é muito conservador caiu durante esse mesmo período. Mesmo a violência e a corrupção da segunda gestão Trump não fecharam completamente a lacuna: uma pesquisa de setembro do Washington Post e Ipsos descobriu que 54% dos eleitores achavam que o Partido Democrata era muito liberal e 49% achavam que o Partido Republicano era muito conservador.

Eu gostaria de acreditar que tudo o que os democratas precisam fazer para reconquistar esses eleitores é abraçar uma agenda com a qual já estou confortável: populismo econômico ou abundância ou ambos. Mas não acho que seja verdade. Um estudo do Centro para Política da Classe Trabalhadora descobriu que em estados-chave do Cinturão da Ferrugem, quando você atrelava o rótulo democrata a um candidato concorrendo com uma plataforma populista, esse candidato perdia de 11 a 16 pontos em apoio. É assim que Sherrod Brown, antes um dos mais fortes populistas econômicos da política americana, perdeu sua cadeira no Senado de Ohio para um revendedor de carros republicano que teve que resolver mais de uma dúzia de processos por roubo de salários.

O problema em ver o populismo ou a abundância como a única resposta para os democratas é que ambos assumem que o público basicamente concorda com os democratas. Em muitos lugares, isso é verdade, e então isso é suficiente. Mas em outros lugares, simplesmente não é verdade. Em grande parte deste país, os eleitores não concordam com o Partido Democrata da forma como o entendem e, mais fundamentalmente, acreditam que o Partido Democrata não concorda com —ou respeita— eles.

O conselho editorial do The New York Times analisou recentemente os membros do Congresso que representam distritos vencidos pelo partido da oposição na eleição presidencial. Os democratas em distritos que votaram em Trump enfatizaram, de diversas maneiras, sua discordância e independência em relação ao Partido Democrata.

Jared Golden é um democrata do Maine. Em 2024, ele conseguiu uma vitória apertada em um distrito que Trump venceu por quase 10 pontos. Nenhum outro democrata no Congresso —nenhum— sobreviveu em um distrito tão pró-Trump. Há muito populismo na política de Golden. Há muito de “Vamos fazer o governo funcionar”. E há muita moderação.

Agora, no que me parece uma reviravolta absolutamente insana, Golden está enfrentando um desafio nas primárias de um candidato progressista que diz que a independência dele “desencantou” os democratas no Maine. Em vez de aprender com democratas como Golden —democratas que estão representando com sucesso eleitores que de outra forma estariam se movendo em direção a Trump— alguns progressistas querem expurgá-los.

Novamente, quero deixar claro que estou fazendo algo diferente de um argumento pela pura moderação: não acho que o Partido Democrata deva simplesmente se mover para a direita.

É bom que Alexandria Ocasio-Cortez e Mamdani concorram como democratas e que Bernie Sanders tenha se tornado um líder no Partido Democrata. É bom que você possa ser um socialista democrático assumido no Partido Democrata atual. Quando entrei na política, nada disso era verdade. Naquela época, eu costumava criticar o establishment democrata por quanto temia sua própria esquerda. Então, você mal podia se chamar de progressista. Hoje, você pode concorrer como socialista democrático. Isso é progresso.

Mas o que aconteceu nos últimos 15 anos é que o Partido Democrata abriu espaço à sua esquerda e se fechou à sua direita. Para toda a conversa sobre o que o Partido Democrata deveria aprender com Sanders e Mamdani, deveria haver pelo menos tanta conversa sobre o que deveria aprender com Manchin, Golden, Marie Gluesenkamp Perez ou Sarah McBride. O partido deveria buscar mais, não menos, discordância interna.

Quaisquer que sejam os problemas na esquerda, há algo verdadeiramente assustador fermentando na direita. Paul Ingrassia, indicado de Trump para liderar o Escritório de Conselho Especial, disse em uma conversa por texto vazada para a revista Politico que ele tinha “um traço nazista”. Uma conversa separada de jovens líderes republicanos vazada para a mesma publicação continha mensagens sobre enviar inimigos para câmaras de gás e uma dizendo: “Eu amo Hitler”.

Ingrassia teve que retirar sua nomeação, mas o vice-presidente J.D. Vance desprezou a cobertura das mensagens dos jovens republicanos como “sensacionalismo exagerado”. Ele disse: “Eu realmente não quero que cresçamos em um país onde um jovem contando uma piada estúpida —contando uma piada muito ofensiva e estúpida— seja motivo para arruinar suas vidas”. Vale ressaltar que essas foram declarações recentes de adultos que disputavam a liderança em uma organização política com laços oficiais com o Partido Republicano.

Então, enquanto eu finalizava este ensaio, Tucker Carlson recebeu Nick Fuentes, um supremacista branco que frequentemente falou sobre sua admiração por Adolf Hitler, para uma conversa amigável de duas horas —e Kevin Roberts, o presidente da Heritage Foundation e um arquiteto-chave do Projeto 2025, inicialmente apoiou Carlson, reclamando da “coalizão venenosa” alinhada contra ele.

Não há regra de generosidade cívica ou prática política que o Trumpismo não tenha quebrado. E para muitos que conheço na esquerda, isso criou a sensação de que não faz sentido tentar apelar para o eleitor mediano —veja quão extrema a direita se tornou. No entanto, prosperou. Nessa narrativa, Trump entende o que os democratas não entendem: não existem mais regras na política. Nada mais importa além da atenção.

Mas há alguns problemas com isso.

Primeiro, Trump moderou o Partido Republicano em áreas cruciais: Medicare, Seguridade Social e comércio.

Em segundo lugar, os democratas não podem vencer da mesma forma que Trump e os republicanos. Isso remete ao problema da localização: Trump e os republicanos lideram uma coalizão construída sobre uma força esmagadora nos condados rurais. A política americana, baseada em localidades, confere às áreas rurais um poder político desproporcional. Trump e os republicanos conseguem manter o poder com uma coalizão menor do que a dos democratas.

E, finalmente, os democratas não deveriam querer vencer da maneira que os republicanos de Trump fazem. Este país poderia se romper. O abismo é escuro e profundo, e os EUA, como outros países, já caiu nele antes e pode cair novamente. Hoje vejo o simples fato de uma política livre e justa como uma conquista maior do que via há 20 anos. Não tomo mais como garantidos os hábitos de cidadania ou política que a preservam. Não podemos confiar que a providência ou algum excepcionalismo inato nos proteja da calamidade. Não protege.

Hoje, a tolerância política é mais difícil para muitos de nós do que a tolerância religiosa. Encontrar maneiras de transformar nossas discordâncias em troca, em algo frutífero em vez de destrutivo, parece quase fantasioso. Mas existe uma oportunidade política real —ouso dizer, uma verdadeira maioria política— para a coalizão que conseguir fazer isso.

Vi uma pesquisa há algumas semanas que me impressionou. Era do The New York Times e da Universidade de Siena. Perguntava aos americanos qual eles achavam que era o principal problema enfrentado pelo país. O número 1 era a economia. Era o que eu esperava. Mas o número 2 não era imigração, inflação, democracia, mudanças climáticas ou mesmo Trump. Era a divisão política. Nessa mesma pesquisa, 64% do país disse que estamos muito divididos para resolver nossos problemas. Eles não estão errados.

Neste momento, o projeto dos EUA parece, para muitos, impossível. E não apenas para a esquerda. Eu ouço isso toda vez que Vance ou Stephen Miller falam. Ouço quando Trump diz: “Eu odeio meu oponente e não quero o melhor para eles”. Quando ouço isso, percebo algo assustador, mas também vejo uma abertura, uma oportunidade: no final, a maioria dos americanos quer que a América funcione. Eles sabem que discordamos uns dos outros. Eles não querem que nos odiemos. Essas divisões existem não apenas no país, mas também em nossas comunidades, em nossas famílias. São dolorosas. Eles querem políticos capazes de melhorar esse problema, não piorá-lo.

Percebo que continuo voltando a algo que Crick disse. Para ele, o que emerge da política é belo e raro, “algo a ser valorizado quase como uma pérola de valor inestimável”. Ele escreve: “O consenso moral de um estado livre não é algo misteriosamente anterior ou acima da política: é a atividade (a atividade civilizadora) da própria política”.

Nos EUA —com todos os nossos pecados, nossa injustiça, nossa opressão—, um Estado mais livre emergiu através da prática da política. Isso não aconteceu sem dor ou sem sangue. Mas aconteceu. Isso nos deu confiança em nós mesmos e em nosso sistema. Mostrou o que poderia surgir de relacionamentos genuínos com pessoas que são genuinamente outras pessoas, e poderia acontecer novamente.



Fonte ==> Folha SP

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