A semana da operação policial mais letal da história do Brasil parece ter começado de fato na sexta anterior (24). “Em escalada militar, EUA enviam maior porta-aviões mundial à América Latina”, anunciava a manchete da Folha no sábado (25). A do Estado era melhor: “Para ‘combater drogas’, Trump manda o maior porta-aviões à América do Sul”.
Nas capas que registravam a mobilização americana, outro fato pode ter ajudado a selar, se não a própria operação, ao menos a reação a ela. “Lula diz que traficante é vítima de usuário de drogas e se retrata”, na Folha. O Globo destacava: “Lula é criticado após dizer que traficante é vítima de usuários”. A chave, nesse caso, estava em “é criticado”.
Seriam apenas coincidências, já que o governo do estado do Rio de Janeiro afirmou que a Operação Contenção, deflagrada na terça (28), teve “mais de um ano de investigação”.
Em entrevista à Folha, o ex-delegado da Polícia Civil do Rio Vinicius George viu uma preparação. “Se você olhar um dia antes, dois dias antes, a porta-voz da PM, o comandante da PM, o chefe da Polícia Civil, hoje secretários de governo, já estavam falando em desordem urbana, que é um jogo para cima da prefeitura. Estavam falando que excedeu a capacidade estadual, ou seja, jogando para cima do governo federal. Estavam testando a receptividade das mídias para essa fala que o governador fez [depois da operação].”
O ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, um dos criadores de “Tropa de Elite”, levantou outra questão relacionada à mídia ao afirmar que há “uma situação de Conflito Armado Não Internacional (Cani), que contrapõe numa guerra prolongada forças governamentais e forças irregulares.”
O problema, para ele, é que “a imprensa brasileira não entende assim; a Folha não entende assim”. (E também que “o STF não entende assim; o ministro Ricardo Lewandowski não entende assim; o Lula não entende assim e boa parte da esquerda brasileira também não entende assim”. Mas a posição da imprensa entre as entidades que desafiariam essa classificação deveria servir para alguma reflexão, concordando ou não com ela.)
A cobertura da ação de terça não ficou livre de vícios mais simples relacionados às operações policiais, dos quais este espaço tratou recentemente. No início da manhã, os leitores éramos informados sobre uma incursão com “2.500 homens” para “capturar lideranças do Comando Vermelho”. São vícios também desta época –tudo deve ser reportado “em tempo real”, então primeiro vai o anúncio da operação, depois você descobre o que era.
A informação era basicamente o que o próprio governo fluminense divulgava: “A ação conjunta das forças de segurança estaduais mobiliza 2.500 policiais civis e militares nos Complexos do #Alemão e da #Penha”.
No relato nem tão inicial do jornal, havia também resquícios da linguagem policial em deslizes como “a operação prendeu 81 criminosos”. É sempre bom lembrar que jornal não é juiz.
(No dia seguinte, já com 64 mortes confirmadas e dezenas de corpos que eram estendidos diante da comunidade e das câmeras, numa imagem já histórica, o tom da cobertura era diferente, quase o contrário, com registro de termos como “massacre”.)
Ainda na terça, o governador Cláudio Castro (PL) declarou que a operação tinha “muito pouco a ver com segurança pública” e falava em “estado de defesa”. O jornal repetia essas palavras no meio do texto como se não fossem nada de mais.
Uma onda de apoio à operação começava a dominar o discurso nas redes sociais e servia para alimentar a reação do governo do Rio de Janeiro, que dobrou a aposta e passou a se referir à ação como “sucesso”, mesmo com a morte de quatro integrantes das forças estaduais e sem a prisão de líderes da facção.
O governo fluminense atacava o governo federal, que media as palavras em suas respostas, e a segurança pública se sacramentava como o principal tema da campanha eleitoral de 2026.
Pedaços do assunto, porém, ainda vagam por aí. Um deles é o domínio criminoso nas prisões. Em sua coluna no Globo, Malu Gaspar chamou a atenção para outra foto da semana, ao lado da imagem já histórica das dezenas de corpos estirados no chão.
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Ela “mostra os principais chefes do CV num corredor do presídio de Bangu 3, no momento em que a polícia avançava no Alemão. Na foto, publicada com exclusividade pelo Globo, eles conversam no corredor, observados por policiais penais, sem sinal de alteração”. Foi de Bangu 3 que, segundo a polícia, teriam partido as ordens para fechar vias e provocar caos na cidade no dia 28.
Outros dois pontos estão em trechos de uma entrevista com Vinicius George não publicados por escrito, mas gravados no podcast Café da Manhã, da Folha: voto e corrupção policial. “Se eu sou o dono da área, o voto é meu. Eles [as facções] têm o voto lá? Não.”
“Outra coisa. Se eu sou dono da área, por que tenho que pagar para ficar na minha área? É o tal do arrego. Como é que eu pago para policiais corruptos, parte da polícia corrupta, para ficar numa área que é minha? (…) A forma de controlar pode ser não declarada. Pode ser por uma ausência presente ou uma presença ausente.”
E havia, ainda, notícias de uma realidade em que a Bolsa brasileira batia recorde atrás de recorde, enquanto o país debatia segurança pública como se fosse futebol.
Fonte ==> Folha SP